domingo, 26 de junho de 2011

"Isso aqui é trabalho, meu filho!"

Enquanto bate com a mão esquerda espalmada em seu antebraço direito, Muricy Ramalho brada: “isso aqui é trabalho, meu filho”. Essa semana este gesto se repetiu. Muricy ganhou um dos títulos mais cobiçados por um técnico brasileiro e que ainda lhe faltava: foi campeão da Libertadores da América.


Confesso que não sou um grande fã do treinador e mesmo sabendo de todas as resistências que existem em torno de seu nome por sua fama de ranzinza, centralizador e, até mesmo, uma “antipatia midiática”, uma coisa precisa ser ressaltada: é muito interessante que Muricy vincule o seu sucesso com sua obsessão pelo trabalho!

Em sua entrevista coletiva, logo após a conquista, Muricy dizia que ele sabe que se não ganhar títulos, ele não existe. Ou seja, a sua vida profissional somente tem sentido e reconhecimento se o seu trabalho der resultados. Mais uma vez, fica nítida a ideia de que os resultados (no caso, os títulos) são frutos de seu “trabalho”.

Em um país que dificilmente vincula o sucesso financeiro ou social ao trabalho, isto é um fato peculiar. No Brasil, o sucesso aparece quase sempre vinculado a um suporte divino – “porque Deus quis” – ou, mais comumente, à rede de relações parentais, apadrinhamentos e ao clientelismo. Em suma, para ser bem sucedido, você tem que conhecer alguém, ser filho de alguém ou abençoado por Deus.

Nossos ídolos ou referências de sucesso social dificilmente estão vinculados ao mundo do trabalho ou aos esforços dispensados com a educação. Ainda que exista muito esforço e muito suor para alguém se tornar um cantor de sucesso, um artista de renome ou um famoso jogador de futebol, essas são posições sociais que geralmente estão relacionadas ao talento nato ou a uma benção e não ao esforço laboral.

A visão moderna do mundo do trabalho, vinculado na meritocracia, no sucesso como reflexo de seus esforços pessoais e na possibilidade de ascensão pelo suor do labor, definitivamente não são difundidos na cultura brasileira. Grosso modo, aqui é o país do jeitinho e das relações privadas que se sobrepõe ao interesse público ou meritocrático. Talvez a explicação para isso esteja nas brilhantes páginas de Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil.

De certa forma, Muricy mostra que o trabalho pode trazer satisfação. Diferente de Romário, que vinculou suas glórias ao dedo apontado por Deus que sentenciou que “ele era o cara”, Muricy prefere deixar claro que as reverencias às suas conquistas são reflexos de seu labor. Talvez por isso mesmo, enquanto os técnicos rezam a espera de um milagre para suas equipes, Muricy segue conquistando os títulos com o seu trabalho.

Texto dedicado à Lidiane Fernandes. Obrigado pela ideia!

3 comentários:

  1. O Muricy, na minha opinião, é o melhor técnico do Brasil. Podem até falar que ele não entra em roubada, que só pega elenco bom, mas o cara venceu praticamente tudo o que entrou para disputar. E também não é bem assim, porque, principalmente o Fluminense e o Santos sem ele não seriam campeões de forma alguma. Uma pena não ter conquistado o título no Palestra, mas aí pode colocar na conta das panelinhas do Diego Souza e do Claiton Xavier com a chegada do Vagner Love.
    Mas sem dúvidas, como o Sorrilha destacou muito bem, Muricy é um grande exemplo de que com trabalho as coisas acontecem, fácil não é, mas quem planta corretamente, colhe frutos!

    ResponderExcluir
  2. Mateus, valeu pela leitura do post. Realmente uma pena o Muricy não ter dado certo no palestra... mas é que tem coisas que só acontecem no palestra rs.

    ResponderExcluir
  3. eu acho que o Muricy tem seus méritos, mas como bom descendente de italianos e palestrino, sou mais fã de Felipão, ainda mais com seu jeito ranzinza, próprio de um "mooquense".
    O texto do Sorrilha me faz lembrar o livro de Vianna Moog, "Bandeirantes e Pioneiros", no qual mostra que a cultura católica bandeirante não é afeita ao trabalho manual ( mina de ouro = mega sena: é só ganhar e não trabalhar pelo resto da vida), diferente dos calvinistas pioneiros dos EUA. Porém, não podemos generalizar em tudo, afinal como o próprio Moog aprensenta, temos um exemplo ao estilo de Muricy, que é Aleijadinho: afeito ao trabalho manual após sua doença, deixando de ser o tipico malandro, Moog relata um pouco do cotidiano do artista e prova que trabalho manual para este não era problema. O contraponto calvinista de Moog seria A. Lincoln, homem nascido na fronteira e preocupado com o trabalho intelectual e não o manual. Fica o convite para a leitura dessa outro clássico que vem a somar e discordar em S. B. de Holanda.
    Abraços,
    Ricardo Bocão

    ResponderExcluir