domingo, 14 de novembro de 2010

Verde, amarelo, preto e branco

Em um post anterior comentei como a expansão do futebol está associada à imigração européia principalmente de operários. Se formos analisar a história do futebol, em nosso país, chegaremos rapidamente a confirmação desta impressão.

Apesar da primeira partida organizada por Charles Miller ter contado com a participação de trabalhadores das ferrovias paulistas, primeiramente, o futebol ganhou espaço com membros das elites européias imigrantes e foi praticado em clubes da alta sociedade brasileira. Justamente por isso, alguns clubes de futebol são o desdobramentos de clubes sociais ou dedicados à outros esportes, como é o caso do Flamengo e Vasco da Gama e seus Clubes de Regatas.

No entanto, a massificação do esporte somente veio por volta da década de 1910, período de franca expansão das indústrias no país e que se estenderia até meados da década de 1940. Por conta disso o momento de surgimento das ligas de futebol está associado a jogos entre trabalhadores de fábricas rivais. Isso é mais claro em São Paulo do que em outros lugares. Por isso, como sabemos, eram poucos os jogadores oriundos das camadas altas da sociedade a se dedicar “profissionalmente” ao esporte. Quando o faziam, causavam certo desconforto ou inspiravam alguma desconfiança, como foi o caso de Heleno no Botafogo do Rio.

Porém, o que me chama a atenção não é o fato de que o futebol seja o esporte das camadas populares e trabalhadoras desde sua gênese. O que me intriga é o fato de que o esporte ao invés de realçar as diferenças sociais e demarcar um nítido distanciamento entre as classes, acabou servindo como forma de reafirmar nossa identidade mestiça. No imaginário social do brasileiro, o futebol não é o esporte do operário, mas o esporte do mulato, da ginga mestiça, da criatividade brasileira. Poderia até mesmo sugerir que as pessoas realmente acreditam haver relação entre o drible e a capoeira (essa sim vista por alguns como o primeiro esporte legitimamente brasileiro).

Da mesma forma, o futebol, acaba por afirmar a existência da possibilidade clara de mobilidade social para as camadas mais baixas da sociedade. Neste sentido, pobres e negros teriam a sua chance de redenção pela prática do esporte. A mobilidade social, ao invés de estar associada à educação e à meritocracia capitalista, apareceria em um esporte que, ao contrário do que deveria ser, afasta as crianças da escola em momentos chaves de seu processo educativo. O futebol, portanto, dá a entender que a democracia racial é realmente efetiva em nosso país. Um futebol de mulatos para um país de mulatos. No entanto, entre a mídia esportiva a ausência de negros é gritante! Ou seja, os setores envolvidos com o futebol que necessitam de formação educacional continuam sem possuir a presença de negros.

Ao contrário do que se poderia supor, penso que o futebol não representa a vitória do mulato e da civilização tropical evidenciada por Gilberto Freyre, mas, ao contrário, a idéia de que o esporte demonstra como a sociedade brasileira possui desigualdades sociais gritantes entre membros de grupos étnicos distintos. Longe de ser a vitória do mestiço, o futebol expõe como os caminhos da integração racial em nosso país não passam de um grande mito que, ao invés de colocar em pauta essa discussão da desigualdade e discriminação racial, afasta o problema para debaixo do tapete ao rotular todos nós como mestiços e o futebol como nossa maior vitória!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

As duas faixas do Capitão

No dia 20 de outubro de 2010 ocorreu na cidade de Barcelona o jogo de ida pela fase de grupos da Champions League entre Barcelona e Copenhague. O jogo foi 2 a 0 para o culés com dois gols do argentino Lionel Messi. Sem maiores euforia e dificuldades o time catalão impôs uma vitória, até certo ponto óbvia sobre os dinamarqueses. O momento inusitado e curioso da partida ficou por conta de uma atitude do capitão do “time espanhol” Carles Puyol.

Segundo exigência da Fifa, os capitães deveriam entrar com a braçadeira oficial da UEFA, organizadora do evento. Apesar de acatar a imposição do órgão máximo do futebol mundial, Puyol também entrou com a tradicional braçadeira dos capitães barcelonistas que leva as cores amarelo e vermelho, simbolizando o escudo da Catalunha. Isso mesmo, o capitão entrou com duas braçadeiras!

Puyol é tido por muitos analistas como o típico jogador “grosso”, tecnicamente limitado. Muitos outros concordam com essa sentença, mas acrescentam que o jogador faz o tipo raçudo, que se dedica incansavelmente ao time. Para os torcedores do Barcelona, Puyol é a representação cabal de um jogador que joga por amor ao clube. Em quase 100% dos “Barcelonas de Todos os Tempos”, feitos de maneira imaginativa por torcedores ao redor do mundo, Puyol aparece entre os titulares.

É bom lembrar que, ainda no início da década (2002/2003), o time catalão passou por sua pior fase dos últimos tempos. No campeonato espanhol, ficou em uma zona intermediária da tabela e, em alguns momentos cogitou-se, até mesmo, uma luta contra o rebaixamento. Efetivamente, isso não ocorreu, mas o time nem sequer conseguiu uma classificação para a Liga dos Campeões da temporada seguinte. A torcida pediu veementemente que se fizesse uma reformulação na equipe com a demissão de vários jogadores. O técnico Van Gaal foi demitido e muitos integrantes do elenco seguiram para outras equipes. No entanto, entre as várias reivindicações da torcida, uma delas, curiosamente, solicitava que Carles Puyol, então lateral direito, tivesse aumento de salário. Isso mesmo, aumento de salário!

Catalão, nascido na província de Lérida, jogador formado nas canteras barcelonista, Puyol havia sido um dos poucos a demonstrar dedicação a equipe na visão dos torcedores. Na temporada de 2004 já passou a ostentar a braçadeira de capitão. Desde então, a relação de Puyol com o clube foi muito mais do que a de um simples jogador com uma equipe. Em um país como a Espanha, onde o sentimento de nação é estilhaçado pelos sentimentos patrióticos das comunidades autônomas que constantemente colocam em questão o poder político da capital Madrid, jogar pelo Barcelona é jogar pela Catalunha. Na época de Franco isso era ainda mais evidente e, atualmente, se fez presente, por exemplo, nos jogos da Copa da África.

Durante o mundial de 2010, em muitos bares da Catalunha, torcedores foram reprimidos por torcerem pela seleção espanhola, sendo acusados de traição. É verdade que não é um costume entre os catalães torcer pela Espanha em jogos de futebol. Muitas vezes, as festas de Madrid são contrastadas pelas ruas vazias de Barcelona em épocas de Eurocopa ou Mundiais. No entanto, para uma parcela do povo local, aquela seleção somente dava (como deu) certo, pois tinha em seu time "titular" 6 jogadores catalães (Puyol, Busquets, Fábregas, Iniesta, Xavi e Piqué). No entanto, mesmo assim, bares com torcedores pró-espanha foram apedrejados na cidade catalã em protesto ao apoio ao time oficial da Coroa, a seleção espanhola.

Jogar pelo Barcelona, assim como pelo Valência, Athletic Bilbao, entre outros, é colocar em campo algumas das tensões políticas e culturais que se apresentam camufladas pelas relações do poder estatal e das leis que estabelecem a união das comunidades autônomas em um Estado que não quer ser nação. Na época da ditadura de Franco, como já mencionamos, qualquer um desses times que jogava contra o Real Madrid, via na partida uma chance de derrotar o time oficialista, o time de Franco.

Em Maio de 2009, algumas décadas após o fim do franquismo, em um jogo entre Real Madrid e Barcelona, realizado na capital espanhola, o time da casa saiu ganhando. Pouco tempo depois, o Barcelona chegou ao empate e já aos vinte minutos do primeiro tempo, Puyol marcaria o gol da virada. Sua comemoração não poderia ser mais representativa de tudo que dissemos até agora. Diante de um Santiago Bernabéu repleto de madridistas e madrilenos, tirou a sua braçadeira de capitão, com as cores da Catalunha, e a beijou efusivamente. O jogo terminou 6 a 2 para o Barça e, praticamente garantiu o título espanhol da equipe com 5 rodadas de antecedência.

Agência/Reuters

Beijou a braçadeira pois sabe que é somente ali, no campo, na cancha, que se pode ganhar de Madrid. Da mesma forma, contra o Copenhague, entrou com as duas braçadeiras em campo, pois sabe que, no campeonato europeu, ele não defende a Espanha, mas sim a Catalunha. A Catalunha, que, na Liga dos Campeões é representada por um time que estampa em sua arquibancada o fato de ser: "mais que um clube"... talvez, uma nação!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O que Graciliano não viu*

Graciliano Ramos, em 1921, disse que o Futebol não vingaria no Brasil, pois era apenas mais um estrangeirismo passageiro, como o cricket. Evidentemente Graciliano Ramos errou em sua previsão. Essa constatação é muito fácil de ser feita, afinal de contas o futebol se tornou aquilo que todos chamam de “paixão nacional”. A grande questão é: por que Graciliano Ramos errou?

Errou, pois ao contrário do que ele compreendeu, o futebol não foi um esporte trazido pelas elites estrangeiras que migraram para o país. Se olharmos, por exemplo, para o processo de migração européia para a África e Ásia no século 19, durante a época que se denominou neo-colonialismo, veremos que grande parte das pessoas que se deslocaram para essas localidades são burocratas, empresário interessados nos novos negócios, militares, entre outros. Com essas pessoas os hábitos aristocráticos seguiram e, até hoje, podemos dizer que alguns de seus esportes preferidos, como o cricket e o pólo, ganharam certo espaço, mas não são o que podemos chamar de “esportes nacionais”.

No entanto, no Brasil isso não ocorreu. A migração européia para cá, engrossada no final do século 19 e início do século 20, até por conta de uma política governamental de branqueamento de nossa população, foi basicamente composta por operários. A expansão do futebol da Europa para o mundo tem estreita relação com a crise do liberalismo europeu do início do século 20 e a expansão do capitalismo pelo mundo. É no processo de industrialização de países latino-americanos entre 1910 e 1940 que o futebol também se expande.

Não podemos nos esquecer que o futebol na Europa não é o esporte da elite, mas sim o esporte do proletário. Os principais times de futebol da Inglaterra, por exemplo, são de cidades industriais (Manchester, Londres, Liverpool) e tem suas histórias vinculadas às fábricas, como é o exemplo claro do Arsenal (antiga fábrica de munições militares). Assim, esses operários, italianos, espanhóis, alemães e portugueses ao chegam ao Brasil fundaram seus times como Vasco (portugueses), Corinthians (espanhóis e italianos), Palestras Itália de SP e BH (italianos), Grêmio (Alemão), entre tantos outros.

Não era a toa, por exemplo, que o Presidente Getúlio Vargas usava partidas de futebol (em São Januário e Pacaembú) para anunciar o aumento do salário mínimo e a promulgação de outras leis trabalhistas. Não se tratava apenas de um evento que aglomerava muitas pessoas. Se fosse assim, o faria em praça pública, orquestras de câmara, espetáculos públicos, etc. O benefício ao trabalhador era anunciado minutos antes da ocorrência do principal esporte operário. De preferência, antes de um jogo do Selecionado Brasileiro (a pátria de chuteiras).

Evidentemente que a massa de trabalhadores no Brasil não era formada somente por trabalhadores europeus, mas por um grande contingente de pobres, negros, mestiços, pardos. Assim, o esporte da fábrica se popularizou e atingiu outros públicos ao ponto de intelectuais, como Lima Barreto, chamarem o futebol de “coisa de preto”. Aliás, atitude bastante típica da elite intelectual da Primeira República que também denunciava o samba, o futebol e a capoeira como “coisa de preto” e viam a mestiçagem como o elemento capaz de produzir a degradação de nosso país. Ou seja, o país do futebol, do samba e do mestiço, não existia na Primeira República, antes da década de 1930.

Graciliano Ramos não viu que o futebol não era um esporte de elite. Ou não quis ver que o futebol, esporte do migrante pobre que, nas fábricas, nos cortiços e aterros se encontrou com a massa de negros e mestiços “degradados”, tinha potencial para ser o esporte nacional. No entanto, a década de 1920 tinha seus Gilbertos Freires, Marios de Andrades, Tarcilas do Amaral e, mais do que isso, a década de 1930 tinha um Getúlio muito interessado em estabelecer um Estado que conseguisse ser efetivamente nacional, com ícones nacionais e aglomerantes. Um esporte nacional, uma música nacional, uma cor nacional...

*Texto dedicado aos meus alunos e colaboradores: Paulo "Pizza", Vitor e Ricardo.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

“A Ditadura Derrotada”

No último post, mencionei que a seleção brasileira se assemelhava a uma tropa de guerra e que o seu comandante demonstrava traços de um autoritarismo que, de uma maneira ou de outra, encontra respaldo em nossa cultura desde que traga algum tipo de benefício. Nos últimos três anos e meio a seleção ganhou tudo que disputou, menos as Olimpíadas e, agora, a Copa do Mundo. Com isso ganhou apoio. No entanto, com esta recente derrota, a tendência é que Dunga seja deposto. A ditadura de Dunga seja derrotada!
Não queremos cair no erro de misturarmos conceitos de Governo com Nação e, muito menos transformarmos a seleção brasileira em uma pátria de chuteiras, pois ela não é. Aliás, a vinculação do futebol e da seleção nacional ao aparelho ideológico do Estado foi algo muito forte durante a ditadura militar em nosso país. Coincidentemente, também foi um recurso discursivo usado por Dunga ao longo dos últimos três anos que esteve a frente da equipe brasileira.
No dia da convocação, por exemplo, o auxiliar técnico de Dunga, Jorginho, bradou que aqueles que criticavam o comandante não tinham amor a pátria e que, antes de se portarem como jornalistas, a imprensa deveria agir como brasileira. Apoiar a seleção fazia do cidadão comum, um pouco mais brasileiro do que os outros. “Brasil, ame-o ou deixe-o” foi um lema criado na época dos militares, mas que se encaixa perfeitamente ao treinador e sua seleção.
Justamente por isso, é muito interessante realizar um paralelo entre a trajetória da seleção de Dunga e a ditadura militar no Brasil. Ressalvamos que este é um exercício puramente alegórico e que sacia a curiosidade do blogueiro e nada mais. Mesmo assim, as nuanças da comparação são realmente muito cativantes e, por isso, seguiremos com elas. Vamos lá: Assim como o Regime Militar, Dunga chegou ao “poder” para combater a anarquia, a desordem e os desvios morais pelos quais passavam o país e a seleção. Assim como os militares que, em nome da família e da propriedade defendeu os brasileiros do perigo comunista, o treinador brasileiro assumiu a missão de acabar com a desorganização, a falta de comando e as farras organizadas durante a Copa da Alemanha em 2006. Ironicamente, ambas perseguiram veementemente a imprensa.
Ao longo de seu desenvolvimento, ambas se apegaram firmemente ao discurso do patriotismo ufanista, vinculando sua imagem à falsa representação cabal da Pátria. No caso da Ditadura, os primeiros anos de governo encontraram o respaldo da sociedade, como no evento da Marcha da Família com Deus pela Liberdade que congregou centenas de milhares de pessoas pelas ruas brasileiras em prol do governo que então se erguia. Durante essa Copa, Dunga atingiu o auge de sua aprovação, principalmente após o episódio “Escobar” como comentado anteriormente aqui.
No entanto, o respaldo aos dirigentes autoritários é condicionado aos bons resultados. Com o fim do Milagre Econômico e com o agravamento dos problemas econômicos, a ditadura começou a dar margens a manifestações e a movimentos de contestação. Este foi um processo de anos que levou os militares a uma revisão quanto a participação da sociedade civil e do mundo privado para o desenvolvimento do país que culminaria com a redemocratização ainda na década de 1970. No caso de Dunga, este processo foi muito mais imediato: durou somente os 45 minutos do segundo tempo do jogo contra a Holanda. Dunga deixou os 69% de sua aprovação para sumir em meio ao coro de “burro” que já ecoa pela mídia e pelas redes sociais.Assim como a Ditadura Militar, Dunga foi derrotado e agora encontra-se encurralado, como na coleção de Élio Gaspari sobre os “anos de chumbo” em nosso país. Esperamos que em seu lugar erga-se um comando técnico que consiga implantar autoridade sem ser autoritário e que não seja apenas uma marionete na mão dos poderosos interesses midiáticos e econômicos. Ou seja, algo bem diferente daquela democracia que se ergueu em nosso país e que ainda segue em busca de ser efetivamente democrática.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Dunga e sua Tropa de Elite

A revista Veja da semana passada trouxe uma matéria sobre a seleção brasileira intitulada “Força Expedicionária Brasileira”. O título da matéria faz referência ao isolamento do selecionado brasileiro em relação ao mundo externo no local escolhido para se fazer a concentração da equipe. Segundo a matéria, o comportamento do grupo seria semelhante ao de uma operação militar em tempos de guerra. Ainda conforme o periódico, o clima de guerra não se reproduz apenas no claustro criado em torno dos jogadores, mas também na criação de inimigos, no caso os adversários de campo, mas, também, a imprensa.
Como se sabe, o choque entre Dunga e os jornalistas não é recente e o mesmo pode se verificar entre seus comandados e os homens de mídia. Os embates entre Kaká e Juca Kfouri (Folha de São Paulo) e Felipe Melo e PVC (ESPN Brasil) são eventos que comprovam essa percepção. No entanto, o ato que representou o auge desse conflito ocorreu com as ofensas públicas do treinador ao Jornalista Alex Escobar da Rede Globo. O que chama a atenção foi a reação da população ao evento. Apesar do tom autoritário, das bravatas e dos palavrões proferidos por Dunga, as pessoas em geral apoiaram o treinador.
Existem alguns motivos que ajudam a compreender esta reação. O primeiro é o fato de que a reprovação à emissora cresce a olhos vistos e, por isso, o ataque a um membro de sua equipe teria satisfeito a fúria contida de milhares de telespectadores insatisfeitos com a programação e o tratamento da emissora à seleção. Este sentimento de insatisfação pode ser aferido pelo movimento “1 dia sem Globo” que, em poucos dias, ganhou lugar no twitter e em várias outras redes sociais, além dos já tradicionais emails.
É até louvável que Dunga, diferentemente de todos os treinadores anteriores, tenha resolvido podar os privilégios que a emissora da família Marinho possuía, dando a todos os canais o mesmo tratamento. O deprimente é que o trato seja de péssimo tom e possua rancores de ordem pessoal e pouco profissionais. Não, não é um privilégio da Globo ser mal tratada pelo treinador, mas sim uma “gentileza” concedida a todos os veículos de comunicação, principalmente os nacionais. Como disse PVC certa vez: “quer saber o que Dunga pensa, leia a imprensa italiana. Para ela, ele fala”.
Aí reside a segunda indagação sobre o crescimento da popularidade de Dunga: ao contrário do que poderíamos esperar, seu autoritarismo é o que cativa os brasileiros. Dunga é respeitado por falar grosso, por manter todos os jogadores na rédea curta, por ser ranzinza e durão, entre outros. Suas características autocráticas seria aquilo que as pessoas atribuem como sendo suas principais virtudes. Isto ocorre porque, de maneira genérica, podemos dizer que o brasileiro não é um povo avesso ao autoritarismo. Ao contrário, desde que o autoritarismo traga resultados “benéficos à nação” ele já é, em si mesmo, positivo.
Esta mesma simpatia pelo "autoritarismo de resultados" pode ser vista em nossa história recente, no que diz respeito aos primeiros anos do Regime Militar e das constantes vozes saudosistas dos “mais velhos” que dizem, ainda hoje, que a época da ditadura era um tempo melhor e mais seguro. O mesmo podemos aplicar para Vargas e sua ditadura. 

Além dos exemplos históricos, outro fenômeno recente nos ajuda a compreender o que aqui proponho: o filme Tropa de Elite do diretor José Padilha. Feito com o intuito de realizar uma profunda crítica ao sistema de segurança pública em nosso país, o filme teve um efeito contrário. Rapidamente o autoritarismo sanguinário do BOPE caiu na graça da platéia e seu personagem principal, Capitão Nascimento, virou um verdadeiro herói nacional. De certa maneira, os métodos aplicados pelo Batalhão de Operações Especiais foram vistos como válidos e aprovados pelos espectadores médios. Por isso, ao invés das pessoas criticarem a truculência do BOPE e se escandalizarem com que viam, aplaudiram de pé os anti-heróis como se fossem os verdadeiros defensores do bem e da moral pública.

Dunga é uma espécie de Capitão Nascimento. O que nos faz pensar o quanto o autoritarismo se apresenta como um traço imbricado em nossa cultura nacional. Talvez, esse sentimento seja uma reminiscência do coronelismo, época em que era comum se beijar a mão de líderes autoritários em troca de favores, seguranças e supostos “bem estar” pessoal. Esta é apenas uma suposição e que carece de mais reflexões e estudos. Enquanto isso, Dunga segue adiante com sua Tropa de Elite osso duro de roer. Enquanto trouxer benefícios e resultados, será amado. Caso contrário... deposto!

terça-feira, 22 de junho de 2010

O Estilo de Jogo como Expressão da Nacionalidade

Sempre achei ser possível fazer uma relação entre a forma de uma equipe jogar e as características fundamentais de sua cultura ou do grupo social que ela representa. Não sabia como chamar isso. Até que finalmente esbarrei com alguns documentários produzidos pelo site/rede social de futebol chamado Kigol. Os títulos dos curtas-metragens são: O Estilo de Jogo como Expressão da Nacionalidade.

O nome é simplesmente perfeito e a Copa do Mundo nos ajuda compreender muito bem o que ele quer dizer. Invariavelmente vemos jornalistas reclamando da forma como o time de Dunga joga. As críticas ocorrem por conta de que o selecionado brasileiro não joga o que nós brasileiros chamamos de futebol arte. Escutei de uma pessoa próxima que essa seleção do Dunga é a mais italiana de todos os tempos. Seu futebol não tem plasticidade, não é malandro. A malandragem, o famoso jeitinho brasileiro, é um elemento que nos faz sentir diferentes de outros “povos” e nos sentirmos mais brasileiros.

Ainda que isso também encontre vazão para aspectos perversos de nossa cidadania, como a corrupção passiva, o desvio de verbas públicas e os “gatos” de luz e água em nosso cotidiano, nosso jeito de sempre tentar dar uns dribles nas situações adversas nos torna mais criativos e mais maleáveis diante da burocracia moderna e sua maneira de amarrar o Estado e a sociedade. O brasileiro sente falta dos dribles na seleção, pois sem eles não se reconhece nela. Talvez por isso, tenhamos nos identificado tanto com o segundo gol de Luis Fabiano contra a Costa do Marfim: um gol de mão, seguido de sua “cara lavada” ao dizer para o juiz que foi com o peito!

Voltando aos documentários produzidos pelo kigol, no terceiro episódio o assunto é justamente esse: o drible. Nesse vídeo, mano Brown fala do drible como forma de expressão de nossa nacionalidade. Segundo o músico, uma forma de demonstrar para os europeus que a informalidade também pode ser valorizada. Algo como: “nem só com estudo se vence na vida!”. Não discordo plenamente dessa reflexão. Penso que é assim que muitos brasileiros realmente pensam. Mas discordo da mensagem que ela quer passar.

Num próximo post farei uma análise específica da fala de Mano Brown e sua relação com o futebol. Mas antes disso, penso que seria melhor continuar com essas possíveis relações entre a forma de jogar e a expressão da nacionalidade. Jogo em campo algumas idéias:

1- O futebol pragmático, frio e racional dos alemães. 2- O futebol bruto e apaixonado dos italianos. 3- O futebol africano que, por buscar tanto se adequar aos padrões europeus, esquece suas tradições e vocações, como em um paralelo tosco ao que ocorreu com suas etnias no século 19. 4- O futebol espanhol e seu barroquismo, rico na forma e pobre na objetividade, desfilando toda a classe da realeza. 5- O futebol holandês e a liberalidade moral, sem posições fixas, sem autoritarismo e sem medo de perder. Enfim, várias idéias me vêm a cabeça. Em outras oportunidades abordarei mais este tema... por enquanto, deixo o vídeo do 3º episódio produzido pelo kigol: Futebol, Gols, Dribles, Jogos Históricos, Estilo de Jogo


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Copa: estereótipos e identidade


A Copa começou! “O país do futebol” já ensaia a sua paradinha oficial para os dias de jogos do Brasil. As universidades e os bancos divulgaram seus horários de funcionamento, ou melhor, de não funcionamento. Como escrevi no post anterior, tudo se justifica por conta dessa paixão nacional projetada que o brasileiro nutre pelo futebol.

A palavra é essa mesmo: projetada. Uma imagem sobre um tipo ideal de brasileiro que não existe, mas que a maioria se identifica. No entanto, tão interessante quanto a imagem que fazemos de nós mesmos é a imagem que os outros fazem sobre nós. Os chamados estereótipos nacionais. Quero dizer, uma idéia do que seria o cidadão comum de uma outra nacionalidade que logo nos vem a cabeça quando falamos de seu país.
Para deixar mais claro. Quando falo México, o que nos vem a mente é um homem do campo, com um bigode e um farto sombreiro. Quando menciono Alemanha, um sujeito de bermudas e suspensórios verdes, botas de alpinista e um chapéu com pena, nos vem a imaginação. E assim por diante. Não é difícil, por exemplo, que digamos que uma pessoa vestida dessa forma em uma festa de Oktoberfest seja um “alemão típico”.

Ocorre que não se trata de um alemão típico e nem mesmo o tipo ideal que os alemães fazem de si. São caricaturas de uma imagem distorcida de algum momento histórico do país que se enraizaram no imaginário coletivo. A forma de compreendermos isso é analisando o estereótipo nacional que fazem do brasileiro: o sambista e a mulata de samba. Não é assim que nos vemos, mas é assim que nos vêem. Exemplo claro disso foi a infeliz, mas bem humorada, declaração de Robin Willians sobre a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016.
Contra esses estereótipos lutamos diariamente. O dito mexicano típico representa um México rural e migrante do primeiro quarto do século 20 que não condiz mais com a sua cosmopolita Cidade do México dos dias atuais. O México é muito mais urbano que seu “típico mexicano” deixa transparecer. Quando relacionam o Brasil as mulatas, logo nos colocamos contra para mostrarmos que não somos apenas “bundas, sexo e samba”.

Mas o que isso tem a ver com futebol e Copa do Mundo? Quando vemos os jogos da Copa pela televisão, o que mais vemos são mexicanos de sombreiros, alemães de bermudas e suspensórios, japoneses de samurais e brasileiros com pandeiros rodeados de mulatas. São essas figuras que as câmeras internacionais procuram para demonstrar que a torcida de um determinado país realmente está no estádio.
Ou seja, de maneira muito interessante e controversa, durante a Copa do Mundo, nos travestimos desses estereótipos para que os outros nos identifiquem diante da multidão. Como uma forma de dizermos aos desavisados de onde somos e, por isso, recorremos a esses estereótipos que tanto negamos.
Ainda que estereótipos, fazem-nos identificar e nos diferenciar perante toda uma multidão mundializada. Ainda que neguemos, trazem traços com os quais, de uma forma ou de outra, nos sentimos aproximados. Por isso, os estereótipos não devem ser desprezados e, ao contrário do que podemos supor, nos dizem muito sobre as identidades. A Copa deixa isso muito claro!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O País do Futebol?

Estamos a poucos dias da Copa do Mundo e uma coisa é certa: em dias de jogos do Brasil o país para! As fábricas não produzem, as escolas dispensam seus alunos, os escritórios encerram seus negócios, enfim a vida fica em segundo plano. Mas a explicação para esse fenômeno é uma resposta que aparece de maneira óbvia no vocabulário popular: o Brasil é o país do futebol. Mas essa frase é verdadeira? A resposta é não!
As últimas pesquisas realizadas para medir o tamanho das torcidas no Brasil chegou a conclusão que o número de pessoas que não gostam de futebol ou não possuem uma equipe favorita é maior que a torcida do Flamengo, time que possui o maior número de adeptos (em torno de 32 milhões). Efetivamente, o que isso quer dizer? Quer dizer que, no “país do futebol” o futebol não é unanimidade. Até mesmo entre os homens essa é uma realidade. Ainda que o futebol seja visto como um esporte próprio do universo masculino, cada dia mais vemos brasileiros assumindo uma antipatia pelo esporte.
Esta realidade é muito diversa em países como Itália, Inglaterra e Argentina. Lá, o esporte não apenas é majoritário, como desperta fanatismos muito incompreensíveis para nós. Um exemplo disso é uma pesquisa realizada com ingleses que apontou que a maioria dos homens preferem assistir o jogo final de campeonato envolvendo sua equipe do que fazer sexo com a mulher de seus sonhos.
Assim, o que faz do Brasil o país do futebol? O fato é que existe uma auto-imagem do brasileiro que estabelece para si essa idéia. Talvez, isso seja ainda uma herança dos tempos ditatoriais onde a imagem da nação esteve muito associada ao futebol. A famosa "Pátria de Chuteiras". O interessante é que, ainda que não seja a representação da realidade é o que o brasileiro acredita ser real. Ou seja, até o brasileiro que não gosta de futebol se identifica com a idéia de que somos o país do futebol.
O que ocorre com o futebol não é uma anomalia. As identidades brasileiras possuem essa característica. Geralmente elas não representam majoritariamente a população, mas dão à mesma uma coesão simbólica diante de uma mescla de interesses diversos. Vejamos o carnaval. Não é preciso uma pesquisa para sabermos que na época de carnaval o número de pessoas que não comemora o carnaval é muito superior à aqueles que aproveitam os festejos. No entanto, ninguém diverge da afirmação de que o carnaval é a festa nacional. E o mesmo ocorre com outros símbolos de nossa identidade, como a feijoada, o samba, entre outros.
Existe ainda outra reflexão que podemos retirar dessa temática. É muito interessante notarmos como a identidade brasileira é construída geralmente em torno de símbolos que remetem à coletividade e a impessoalidade. Diferente da Argentina que possui o Gaúcho, os norte-americanos que possuem o Tio Sam, os ingleses e a Rainha, os peruanos e o Inca, entre outros, no Brasil, o personalismo não se configura como um elemento de construção de uma identidade nacional.
É interessante notarmos como em nossas ruas, nas grandes avenidas de nossas capitais são muito escassas as estátuas e os monumentos que fazem referencia à heróis nacionais. Até mesmo porque, à exceção de Tiradentes, o brasileiro não cultiva admiração por nenhum outro herói nacional. É possível até mesmo questionarmos a própria figura de Tiradentes por ser uma construção muito mais imposta do que culturalmente assimilada entre os brasileiros.
Por isso, não somos o país do futebol, mas é assim que nos vemos e é assim que nos identificamos perante os outros e a nós mesmos. O Brasil pára nos dias de jogos da seleção para lembrar a si mesmo o que o faz diferente dos outros: a criação de mitos sobre sua identidade que permitam dar coesão a um povo culturalmente e etnicamente tão diverso. Por falar nisso, não seria também a crença na mestiçagem um desses mitos?

sexta-feira, 19 de março de 2010

Futebol, por que não?

A cada dia que passa fico mais impressionado com os trabalhos realizados pelas ciências sociais no que diz respeito ao conceito de cultura. De maneira mais intensa, interessa aos pesquisadores um maior envolvimento com o cotidiano para a compreensão de como as sociabilidades e as “regras” sociais são criadas e partilhadas. Como resultado, ao mesmo tempo que novos objetos e atores sociais ganham espaço em suas pesquisas, antigos conceitos sociológicos também passam por uma profícua revisão. Até mesmo o estudo das relações trabalhistas e dos conflitos de classe, tabus da sociologia marxista, recebem novos contornos. Desta maneira, a visão de que as condutas sociais da população comum nada mais são do que o resultado da simples imposição da elite econômica por meio dos canais de informação também passou a ser questionada.
É inegável que as discussões a respeito do conceito de cultura, iniciadas ainda na década de 1960, serviram para que rompêssemos com aquela visão dicotômica da cultura, que separava a sociedade em dois mundos: o mundo formalizado e o mundo informal; a cultura erudita e a cultura popular. Felizmente essa barreira foi superada. Cultura passou a ser vista, grosso modo, como os símbolos e significados criados por uma determinada sociedade com o intuito de explicar a realidade em que a mesma se insere, sendo tais significados social e coletivamente partilhados. Logo, sabemos que pertencemos a uma determinada cultura quando conseguimos compreender, de maneira semelhante aos demais, os significados criados para normatizar, regular e dar sentido ao nosso meio.
Nós brasileiros partilhamos uma série de significados que foram criados entre nós e socializados por meio da família, da mídia, da escola, do trabalho e dos ambientes sociais. Independentemente de classe, de cor e de formação educacional existe uma série de elementos que interpretamos de forma semelhante aos demais brasileiros. É evidente que dentro de uma mesma cultura existem sub-culturas que se inserem em realidades regionais ou trabalhistas, por exemplo. Por isso é justo e correto afirmarmos a existência de uma cultura gaúcha ou de uma cultura operária, entre outras. Mas em vários momentos, elementos e significados criados dentro de uma sub-cultura podem extrapolar tais limites e se converterem em cultura nacional ou, até mesmo, supra-nacional. Não é equivocado dizer, por exemplo, que exista uma cultura ocidental.
Se cultura é algo que se transmite pela família e em ambientes de sociabilidade difusa, é possível dizer, por exemplo, que a cultura não representa tão somente as coisas que são institucionalizadas. Um dado elemento de uma cultura pode nascer em ambientes ditos “populares” e, posteriormente se converter em ícone nacional. O samba é um exemplo disso. Tendo essa prerrogativa como válida, existem várias formas de se abordar e se estudar a cultura que não sejam por meio das instituições. Os autos de fé, as festas populares, a música, a dança, a religiosidade, as migrações, o corte da cana, enfim, são exemplos de como as ciências sociais debruçam novos olhares sobre o cultural e seu campo.
No entanto, a surpresa é que o Futebol não consegue ganhar o mesmo espaço. Surpreendentemente, com raríssimas exceções, o futebol não consegue ganhar espaço nas fileiras universitárias. É bem verdade que existem estudos sobre o comportamento violento de torcidas organizadas, por exemplo. Mas geralmente, essas pesquisas preferem se colocar junto aos estudos de psicologia social ou comportamentalista, quando muito ao lado de estudos sobre tribos urbanas. No entanto, por se focarem ao comportamento em si, não se fala daquilo que motiva o encontro dessas torcidas que é, antes de qualquer coisa, o futebol.
Desde cedo o futebol ganhou no Brasil o símbolo de “Paixão Nacional” e, como paixão não é algo racional, não cabe o trabalho de ser estudado. Parece ser este o motivo da falta de interesse dos intelectuais sobre o futebol. Como bem afirmou José Miguel Wisnik em seu livro Veneno Remédio, “viver o futebol dispensa pensá-lo, e, em grande parte, é essa dispensa que se procura nele. Os pensadores, por sua vez, à esquerda ou à direita, na meia ou no centro, têm muitas vezes uma reserva contra os componentes antiintelectuais e massivos do futebol, e temem ou se recusam a endossá-los, por um lado, e a se misturar com eles, por outro”. Alberto Flores Galindo, um importante intelectual peruano já falecido, possui uma frase emblemática sobre o assunto que diz: “pouco se estuda sobre os presídios e os campos de futebol, apesar de o que se passa dentro deles tem muito mais à dizer sobre a sociedade”.
A idéia de que intelectual genuíno não se mistura com o futebol fica clara quando analisamos rapidamente o caso de Nelson Rodrigues. Não são raras as vezes que tentam separar as crônicas futebolísticas do autor de suas brilhantes peças e romances sobre a vida privada do brasileiro. Chega a parecer que falamos de dois autores. Algo como se o futebol fosse apenas a diversão de Nelson Rodrigues e, por isso, não o levasse tão sério assim. Muitas vezes as crônicas de Nelson Rodrigues são lembradas em mesas de debate e opinião esportiva, como se fossem lendas ou ditos populares. Sempre antes de um Fla-Flu aparece uma frase enigmática dita pelo genial escritor que afirmou: “o FlaXFlu nasceu 40 minutos antes do nada e depois Deus Criou o Mundo”. Porém, nunca se pára para indagar o que um intelectual do porte de Nelson Rodrigues queria dizer sobre isso. Poderíamos tentar algo, como: qual é a importância que o futebol ocupa na vida das pessoas de nossa sociedade ao ponto de se afirmar que ele é anterior à própria humanidade?
Por conta dessa cisão, o que se dá a entender é que o futebol deve ficar reservado ao mundo privado, aos temores, angústias e anseios internos, próprios das questões destinadas ao foro intimo. Deve ficar lá, onde é o seu lugar, ao lado da malandragem, da cerveja, “da pipoca, do amendoim e do tremoço”. Misturar futebol com pesquisa acadêmica é visto, portanto, como a morte da erudição. Seria o equivalente a trazer assuntos caseiros para dentro do escritório, como descontar em um colega de trabalho a briga que teve com a sogra!
Por conta disso, a ausência do cientista social na análise dessa brilhante manifestação cultural, o futebol, faz com que exista uma brecha, um campo vago de estudo, que acaba sendo preenchido por jornalistas. O jornalismo sim, sempre levou o futebol a sério. Porém mais do que narrar, relatar ou comentar sobre os jogos de futebol, próprios do ofício do jornalismo, os jornalistas se vêem obrigado a tentar compreender o futebol para além do evento esportivo observado. Por isso, no Brasil, os livros sobre a história do futebol, e da relação do futebol com a cultura, são feitos por jornalistas.
Vejam bem. Não se trata de uma crítica à esses jornalistas. Ao contrário. Ainda bem que existem! Ainda bem que há gente competente que leva o futebol a sério! Posso dar uma lista sem fim de jornalistas esportivos que admiro intelectualmente e que conseguem ver o futebol para além de um simples jogo dedicado a fazer as pessoas esquecerem sua dura rotina de trabalho. Futebol é mais que isso! Futebol é muito mais que isso!
Para entender o que quero dizer, basta assistir um jogo entre Real Madri e Barcelona para entender o que digo. Quando a equipe Azul Grená entra em campo, os torcedores levantam placas que fazem do estádio um verdadeiro letreiro gigante que diz: “Mais que um Clube”. Não é difícil entender o que aquelas pessoas querem dizer: somos catalães mais do que espanhóis. Nos tempo de Franco, por exemplo, Valencia e Real Madri era mais do que uma partida, era também a continuação de uma guerra que não havia se findado com a vitória das tropas franquistas sobre a ultima resistência valenciana.
Basta saber que durante a Ditadura Argentina, presos políticos, mesmo amarrados e torturados jogados no chão e com a cabeça coberta por sacos plásticos, gritavam apaixonadamente “Gol” a cada vez que escutavam os fogos de artifício que vinham do lado de fora de suas prisões anunciando as façanhas de Kemps e seus companheiros. A paixão pelo time superava o ódio que possuíam pelos militares. Era o mesmo que dizer: a Argentina não são vocês e é por ela que torço!!!
Basta olhar para os selecionados que possuem tradição futebolística e perceberem que se tratam de países de forte desenvolvimento industrial. Não me espanta, por exemplo, que os melhores selecionados da América Latina sejam países que, na década de 1930, apostaram em políticas de inversão de importações e passaram a se industrializar. A migração de italianos e espanhóis para trabalhar nessas fábricas tem muito a nos dizer sobre o sucesso do futebol nesses países!
Enfim, este blog é para isso: para entendermos a sociedade por meio do futebol. Será o futebol a porta de entrada para racionalizarmos sobre os símbolos e significados existentes em nossa sociedade. Se me estendi muito neste post, foi porque vi a necessidade de situá-los no que pretendemos fazer neste espaço/blog. Para deixá-los na cara do gol e trazermos o futebol para o campo das análises sociais, com o perdão dos trocadilhos!