quinta-feira, 3 de junho de 2010

O País do Futebol?

Estamos a poucos dias da Copa do Mundo e uma coisa é certa: em dias de jogos do Brasil o país para! As fábricas não produzem, as escolas dispensam seus alunos, os escritórios encerram seus negócios, enfim a vida fica em segundo plano. Mas a explicação para esse fenômeno é uma resposta que aparece de maneira óbvia no vocabulário popular: o Brasil é o país do futebol. Mas essa frase é verdadeira? A resposta é não!
As últimas pesquisas realizadas para medir o tamanho das torcidas no Brasil chegou a conclusão que o número de pessoas que não gostam de futebol ou não possuem uma equipe favorita é maior que a torcida do Flamengo, time que possui o maior número de adeptos (em torno de 32 milhões). Efetivamente, o que isso quer dizer? Quer dizer que, no “país do futebol” o futebol não é unanimidade. Até mesmo entre os homens essa é uma realidade. Ainda que o futebol seja visto como um esporte próprio do universo masculino, cada dia mais vemos brasileiros assumindo uma antipatia pelo esporte.
Esta realidade é muito diversa em países como Itália, Inglaterra e Argentina. Lá, o esporte não apenas é majoritário, como desperta fanatismos muito incompreensíveis para nós. Um exemplo disso é uma pesquisa realizada com ingleses que apontou que a maioria dos homens preferem assistir o jogo final de campeonato envolvendo sua equipe do que fazer sexo com a mulher de seus sonhos.
Assim, o que faz do Brasil o país do futebol? O fato é que existe uma auto-imagem do brasileiro que estabelece para si essa idéia. Talvez, isso seja ainda uma herança dos tempos ditatoriais onde a imagem da nação esteve muito associada ao futebol. A famosa "Pátria de Chuteiras". O interessante é que, ainda que não seja a representação da realidade é o que o brasileiro acredita ser real. Ou seja, até o brasileiro que não gosta de futebol se identifica com a idéia de que somos o país do futebol.
O que ocorre com o futebol não é uma anomalia. As identidades brasileiras possuem essa característica. Geralmente elas não representam majoritariamente a população, mas dão à mesma uma coesão simbólica diante de uma mescla de interesses diversos. Vejamos o carnaval. Não é preciso uma pesquisa para sabermos que na época de carnaval o número de pessoas que não comemora o carnaval é muito superior à aqueles que aproveitam os festejos. No entanto, ninguém diverge da afirmação de que o carnaval é a festa nacional. E o mesmo ocorre com outros símbolos de nossa identidade, como a feijoada, o samba, entre outros.
Existe ainda outra reflexão que podemos retirar dessa temática. É muito interessante notarmos como a identidade brasileira é construída geralmente em torno de símbolos que remetem à coletividade e a impessoalidade. Diferente da Argentina que possui o Gaúcho, os norte-americanos que possuem o Tio Sam, os ingleses e a Rainha, os peruanos e o Inca, entre outros, no Brasil, o personalismo não se configura como um elemento de construção de uma identidade nacional.
É interessante notarmos como em nossas ruas, nas grandes avenidas de nossas capitais são muito escassas as estátuas e os monumentos que fazem referencia à heróis nacionais. Até mesmo porque, à exceção de Tiradentes, o brasileiro não cultiva admiração por nenhum outro herói nacional. É possível até mesmo questionarmos a própria figura de Tiradentes por ser uma construção muito mais imposta do que culturalmente assimilada entre os brasileiros.
Por isso, não somos o país do futebol, mas é assim que nos vemos e é assim que nos identificamos perante os outros e a nós mesmos. O Brasil pára nos dias de jogos da seleção para lembrar a si mesmo o que o faz diferente dos outros: a criação de mitos sobre sua identidade que permitam dar coesão a um povo culturalmente e etnicamente tão diverso. Por falar nisso, não seria também a crença na mestiçagem um desses mitos?

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