quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O que Graciliano não viu*

Graciliano Ramos, em 1921, disse que o Futebol não vingaria no Brasil, pois era apenas mais um estrangeirismo passageiro, como o cricket. Evidentemente Graciliano Ramos errou em sua previsão. Essa constatação é muito fácil de ser feita, afinal de contas o futebol se tornou aquilo que todos chamam de “paixão nacional”. A grande questão é: por que Graciliano Ramos errou?

Errou, pois ao contrário do que ele compreendeu, o futebol não foi um esporte trazido pelas elites estrangeiras que migraram para o país. Se olharmos, por exemplo, para o processo de migração européia para a África e Ásia no século 19, durante a época que se denominou neo-colonialismo, veremos que grande parte das pessoas que se deslocaram para essas localidades são burocratas, empresário interessados nos novos negócios, militares, entre outros. Com essas pessoas os hábitos aristocráticos seguiram e, até hoje, podemos dizer que alguns de seus esportes preferidos, como o cricket e o pólo, ganharam certo espaço, mas não são o que podemos chamar de “esportes nacionais”.

No entanto, no Brasil isso não ocorreu. A migração européia para cá, engrossada no final do século 19 e início do século 20, até por conta de uma política governamental de branqueamento de nossa população, foi basicamente composta por operários. A expansão do futebol da Europa para o mundo tem estreita relação com a crise do liberalismo europeu do início do século 20 e a expansão do capitalismo pelo mundo. É no processo de industrialização de países latino-americanos entre 1910 e 1940 que o futebol também se expande.

Não podemos nos esquecer que o futebol na Europa não é o esporte da elite, mas sim o esporte do proletário. Os principais times de futebol da Inglaterra, por exemplo, são de cidades industriais (Manchester, Londres, Liverpool) e tem suas histórias vinculadas às fábricas, como é o exemplo claro do Arsenal (antiga fábrica de munições militares). Assim, esses operários, italianos, espanhóis, alemães e portugueses ao chegam ao Brasil fundaram seus times como Vasco (portugueses), Corinthians (espanhóis e italianos), Palestras Itália de SP e BH (italianos), Grêmio (Alemão), entre tantos outros.

Não era a toa, por exemplo, que o Presidente Getúlio Vargas usava partidas de futebol (em São Januário e Pacaembú) para anunciar o aumento do salário mínimo e a promulgação de outras leis trabalhistas. Não se tratava apenas de um evento que aglomerava muitas pessoas. Se fosse assim, o faria em praça pública, orquestras de câmara, espetáculos públicos, etc. O benefício ao trabalhador era anunciado minutos antes da ocorrência do principal esporte operário. De preferência, antes de um jogo do Selecionado Brasileiro (a pátria de chuteiras).

Evidentemente que a massa de trabalhadores no Brasil não era formada somente por trabalhadores europeus, mas por um grande contingente de pobres, negros, mestiços, pardos. Assim, o esporte da fábrica se popularizou e atingiu outros públicos ao ponto de intelectuais, como Lima Barreto, chamarem o futebol de “coisa de preto”. Aliás, atitude bastante típica da elite intelectual da Primeira República que também denunciava o samba, o futebol e a capoeira como “coisa de preto” e viam a mestiçagem como o elemento capaz de produzir a degradação de nosso país. Ou seja, o país do futebol, do samba e do mestiço, não existia na Primeira República, antes da década de 1930.

Graciliano Ramos não viu que o futebol não era um esporte de elite. Ou não quis ver que o futebol, esporte do migrante pobre que, nas fábricas, nos cortiços e aterros se encontrou com a massa de negros e mestiços “degradados”, tinha potencial para ser o esporte nacional. No entanto, a década de 1920 tinha seus Gilbertos Freires, Marios de Andrades, Tarcilas do Amaral e, mais do que isso, a década de 1930 tinha um Getúlio muito interessado em estabelecer um Estado que conseguisse ser efetivamente nacional, com ícones nacionais e aglomerantes. Um esporte nacional, uma música nacional, uma cor nacional...

*Texto dedicado aos meus alunos e colaboradores: Paulo "Pizza", Vitor e Ricardo.