quarta-feira, 30 de junho de 2010

Dunga e sua Tropa de Elite

A revista Veja da semana passada trouxe uma matéria sobre a seleção brasileira intitulada “Força Expedicionária Brasileira”. O título da matéria faz referência ao isolamento do selecionado brasileiro em relação ao mundo externo no local escolhido para se fazer a concentração da equipe. Segundo a matéria, o comportamento do grupo seria semelhante ao de uma operação militar em tempos de guerra. Ainda conforme o periódico, o clima de guerra não se reproduz apenas no claustro criado em torno dos jogadores, mas também na criação de inimigos, no caso os adversários de campo, mas, também, a imprensa.
Como se sabe, o choque entre Dunga e os jornalistas não é recente e o mesmo pode se verificar entre seus comandados e os homens de mídia. Os embates entre Kaká e Juca Kfouri (Folha de São Paulo) e Felipe Melo e PVC (ESPN Brasil) são eventos que comprovam essa percepção. No entanto, o ato que representou o auge desse conflito ocorreu com as ofensas públicas do treinador ao Jornalista Alex Escobar da Rede Globo. O que chama a atenção foi a reação da população ao evento. Apesar do tom autoritário, das bravatas e dos palavrões proferidos por Dunga, as pessoas em geral apoiaram o treinador.
Existem alguns motivos que ajudam a compreender esta reação. O primeiro é o fato de que a reprovação à emissora cresce a olhos vistos e, por isso, o ataque a um membro de sua equipe teria satisfeito a fúria contida de milhares de telespectadores insatisfeitos com a programação e o tratamento da emissora à seleção. Este sentimento de insatisfação pode ser aferido pelo movimento “1 dia sem Globo” que, em poucos dias, ganhou lugar no twitter e em várias outras redes sociais, além dos já tradicionais emails.
É até louvável que Dunga, diferentemente de todos os treinadores anteriores, tenha resolvido podar os privilégios que a emissora da família Marinho possuía, dando a todos os canais o mesmo tratamento. O deprimente é que o trato seja de péssimo tom e possua rancores de ordem pessoal e pouco profissionais. Não, não é um privilégio da Globo ser mal tratada pelo treinador, mas sim uma “gentileza” concedida a todos os veículos de comunicação, principalmente os nacionais. Como disse PVC certa vez: “quer saber o que Dunga pensa, leia a imprensa italiana. Para ela, ele fala”.
Aí reside a segunda indagação sobre o crescimento da popularidade de Dunga: ao contrário do que poderíamos esperar, seu autoritarismo é o que cativa os brasileiros. Dunga é respeitado por falar grosso, por manter todos os jogadores na rédea curta, por ser ranzinza e durão, entre outros. Suas características autocráticas seria aquilo que as pessoas atribuem como sendo suas principais virtudes. Isto ocorre porque, de maneira genérica, podemos dizer que o brasileiro não é um povo avesso ao autoritarismo. Ao contrário, desde que o autoritarismo traga resultados “benéficos à nação” ele já é, em si mesmo, positivo.
Esta mesma simpatia pelo "autoritarismo de resultados" pode ser vista em nossa história recente, no que diz respeito aos primeiros anos do Regime Militar e das constantes vozes saudosistas dos “mais velhos” que dizem, ainda hoje, que a época da ditadura era um tempo melhor e mais seguro. O mesmo podemos aplicar para Vargas e sua ditadura. 

Além dos exemplos históricos, outro fenômeno recente nos ajuda a compreender o que aqui proponho: o filme Tropa de Elite do diretor José Padilha. Feito com o intuito de realizar uma profunda crítica ao sistema de segurança pública em nosso país, o filme teve um efeito contrário. Rapidamente o autoritarismo sanguinário do BOPE caiu na graça da platéia e seu personagem principal, Capitão Nascimento, virou um verdadeiro herói nacional. De certa maneira, os métodos aplicados pelo Batalhão de Operações Especiais foram vistos como válidos e aprovados pelos espectadores médios. Por isso, ao invés das pessoas criticarem a truculência do BOPE e se escandalizarem com que viam, aplaudiram de pé os anti-heróis como se fossem os verdadeiros defensores do bem e da moral pública.

Dunga é uma espécie de Capitão Nascimento. O que nos faz pensar o quanto o autoritarismo se apresenta como um traço imbricado em nossa cultura nacional. Talvez, esse sentimento seja uma reminiscência do coronelismo, época em que era comum se beijar a mão de líderes autoritários em troca de favores, seguranças e supostos “bem estar” pessoal. Esta é apenas uma suposição e que carece de mais reflexões e estudos. Enquanto isso, Dunga segue adiante com sua Tropa de Elite osso duro de roer. Enquanto trouxer benefícios e resultados, será amado. Caso contrário... deposto!

terça-feira, 22 de junho de 2010

O Estilo de Jogo como Expressão da Nacionalidade

Sempre achei ser possível fazer uma relação entre a forma de uma equipe jogar e as características fundamentais de sua cultura ou do grupo social que ela representa. Não sabia como chamar isso. Até que finalmente esbarrei com alguns documentários produzidos pelo site/rede social de futebol chamado Kigol. Os títulos dos curtas-metragens são: O Estilo de Jogo como Expressão da Nacionalidade.

O nome é simplesmente perfeito e a Copa do Mundo nos ajuda compreender muito bem o que ele quer dizer. Invariavelmente vemos jornalistas reclamando da forma como o time de Dunga joga. As críticas ocorrem por conta de que o selecionado brasileiro não joga o que nós brasileiros chamamos de futebol arte. Escutei de uma pessoa próxima que essa seleção do Dunga é a mais italiana de todos os tempos. Seu futebol não tem plasticidade, não é malandro. A malandragem, o famoso jeitinho brasileiro, é um elemento que nos faz sentir diferentes de outros “povos” e nos sentirmos mais brasileiros.

Ainda que isso também encontre vazão para aspectos perversos de nossa cidadania, como a corrupção passiva, o desvio de verbas públicas e os “gatos” de luz e água em nosso cotidiano, nosso jeito de sempre tentar dar uns dribles nas situações adversas nos torna mais criativos e mais maleáveis diante da burocracia moderna e sua maneira de amarrar o Estado e a sociedade. O brasileiro sente falta dos dribles na seleção, pois sem eles não se reconhece nela. Talvez por isso, tenhamos nos identificado tanto com o segundo gol de Luis Fabiano contra a Costa do Marfim: um gol de mão, seguido de sua “cara lavada” ao dizer para o juiz que foi com o peito!

Voltando aos documentários produzidos pelo kigol, no terceiro episódio o assunto é justamente esse: o drible. Nesse vídeo, mano Brown fala do drible como forma de expressão de nossa nacionalidade. Segundo o músico, uma forma de demonstrar para os europeus que a informalidade também pode ser valorizada. Algo como: “nem só com estudo se vence na vida!”. Não discordo plenamente dessa reflexão. Penso que é assim que muitos brasileiros realmente pensam. Mas discordo da mensagem que ela quer passar.

Num próximo post farei uma análise específica da fala de Mano Brown e sua relação com o futebol. Mas antes disso, penso que seria melhor continuar com essas possíveis relações entre a forma de jogar e a expressão da nacionalidade. Jogo em campo algumas idéias:

1- O futebol pragmático, frio e racional dos alemães. 2- O futebol bruto e apaixonado dos italianos. 3- O futebol africano que, por buscar tanto se adequar aos padrões europeus, esquece suas tradições e vocações, como em um paralelo tosco ao que ocorreu com suas etnias no século 19. 4- O futebol espanhol e seu barroquismo, rico na forma e pobre na objetividade, desfilando toda a classe da realeza. 5- O futebol holandês e a liberalidade moral, sem posições fixas, sem autoritarismo e sem medo de perder. Enfim, várias idéias me vêm a cabeça. Em outras oportunidades abordarei mais este tema... por enquanto, deixo o vídeo do 3º episódio produzido pelo kigol: Futebol, Gols, Dribles, Jogos Históricos, Estilo de Jogo


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Copa: estereótipos e identidade


A Copa começou! “O país do futebol” já ensaia a sua paradinha oficial para os dias de jogos do Brasil. As universidades e os bancos divulgaram seus horários de funcionamento, ou melhor, de não funcionamento. Como escrevi no post anterior, tudo se justifica por conta dessa paixão nacional projetada que o brasileiro nutre pelo futebol.

A palavra é essa mesmo: projetada. Uma imagem sobre um tipo ideal de brasileiro que não existe, mas que a maioria se identifica. No entanto, tão interessante quanto a imagem que fazemos de nós mesmos é a imagem que os outros fazem sobre nós. Os chamados estereótipos nacionais. Quero dizer, uma idéia do que seria o cidadão comum de uma outra nacionalidade que logo nos vem a cabeça quando falamos de seu país.
Para deixar mais claro. Quando falo México, o que nos vem a mente é um homem do campo, com um bigode e um farto sombreiro. Quando menciono Alemanha, um sujeito de bermudas e suspensórios verdes, botas de alpinista e um chapéu com pena, nos vem a imaginação. E assim por diante. Não é difícil, por exemplo, que digamos que uma pessoa vestida dessa forma em uma festa de Oktoberfest seja um “alemão típico”.

Ocorre que não se trata de um alemão típico e nem mesmo o tipo ideal que os alemães fazem de si. São caricaturas de uma imagem distorcida de algum momento histórico do país que se enraizaram no imaginário coletivo. A forma de compreendermos isso é analisando o estereótipo nacional que fazem do brasileiro: o sambista e a mulata de samba. Não é assim que nos vemos, mas é assim que nos vêem. Exemplo claro disso foi a infeliz, mas bem humorada, declaração de Robin Willians sobre a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016.
Contra esses estereótipos lutamos diariamente. O dito mexicano típico representa um México rural e migrante do primeiro quarto do século 20 que não condiz mais com a sua cosmopolita Cidade do México dos dias atuais. O México é muito mais urbano que seu “típico mexicano” deixa transparecer. Quando relacionam o Brasil as mulatas, logo nos colocamos contra para mostrarmos que não somos apenas “bundas, sexo e samba”.

Mas o que isso tem a ver com futebol e Copa do Mundo? Quando vemos os jogos da Copa pela televisão, o que mais vemos são mexicanos de sombreiros, alemães de bermudas e suspensórios, japoneses de samurais e brasileiros com pandeiros rodeados de mulatas. São essas figuras que as câmeras internacionais procuram para demonstrar que a torcida de um determinado país realmente está no estádio.
Ou seja, de maneira muito interessante e controversa, durante a Copa do Mundo, nos travestimos desses estereótipos para que os outros nos identifiquem diante da multidão. Como uma forma de dizermos aos desavisados de onde somos e, por isso, recorremos a esses estereótipos que tanto negamos.
Ainda que estereótipos, fazem-nos identificar e nos diferenciar perante toda uma multidão mundializada. Ainda que neguemos, trazem traços com os quais, de uma forma ou de outra, nos sentimos aproximados. Por isso, os estereótipos não devem ser desprezados e, ao contrário do que podemos supor, nos dizem muito sobre as identidades. A Copa deixa isso muito claro!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O País do Futebol?

Estamos a poucos dias da Copa do Mundo e uma coisa é certa: em dias de jogos do Brasil o país para! As fábricas não produzem, as escolas dispensam seus alunos, os escritórios encerram seus negócios, enfim a vida fica em segundo plano. Mas a explicação para esse fenômeno é uma resposta que aparece de maneira óbvia no vocabulário popular: o Brasil é o país do futebol. Mas essa frase é verdadeira? A resposta é não!
As últimas pesquisas realizadas para medir o tamanho das torcidas no Brasil chegou a conclusão que o número de pessoas que não gostam de futebol ou não possuem uma equipe favorita é maior que a torcida do Flamengo, time que possui o maior número de adeptos (em torno de 32 milhões). Efetivamente, o que isso quer dizer? Quer dizer que, no “país do futebol” o futebol não é unanimidade. Até mesmo entre os homens essa é uma realidade. Ainda que o futebol seja visto como um esporte próprio do universo masculino, cada dia mais vemos brasileiros assumindo uma antipatia pelo esporte.
Esta realidade é muito diversa em países como Itália, Inglaterra e Argentina. Lá, o esporte não apenas é majoritário, como desperta fanatismos muito incompreensíveis para nós. Um exemplo disso é uma pesquisa realizada com ingleses que apontou que a maioria dos homens preferem assistir o jogo final de campeonato envolvendo sua equipe do que fazer sexo com a mulher de seus sonhos.
Assim, o que faz do Brasil o país do futebol? O fato é que existe uma auto-imagem do brasileiro que estabelece para si essa idéia. Talvez, isso seja ainda uma herança dos tempos ditatoriais onde a imagem da nação esteve muito associada ao futebol. A famosa "Pátria de Chuteiras". O interessante é que, ainda que não seja a representação da realidade é o que o brasileiro acredita ser real. Ou seja, até o brasileiro que não gosta de futebol se identifica com a idéia de que somos o país do futebol.
O que ocorre com o futebol não é uma anomalia. As identidades brasileiras possuem essa característica. Geralmente elas não representam majoritariamente a população, mas dão à mesma uma coesão simbólica diante de uma mescla de interesses diversos. Vejamos o carnaval. Não é preciso uma pesquisa para sabermos que na época de carnaval o número de pessoas que não comemora o carnaval é muito superior à aqueles que aproveitam os festejos. No entanto, ninguém diverge da afirmação de que o carnaval é a festa nacional. E o mesmo ocorre com outros símbolos de nossa identidade, como a feijoada, o samba, entre outros.
Existe ainda outra reflexão que podemos retirar dessa temática. É muito interessante notarmos como a identidade brasileira é construída geralmente em torno de símbolos que remetem à coletividade e a impessoalidade. Diferente da Argentina que possui o Gaúcho, os norte-americanos que possuem o Tio Sam, os ingleses e a Rainha, os peruanos e o Inca, entre outros, no Brasil, o personalismo não se configura como um elemento de construção de uma identidade nacional.
É interessante notarmos como em nossas ruas, nas grandes avenidas de nossas capitais são muito escassas as estátuas e os monumentos que fazem referencia à heróis nacionais. Até mesmo porque, à exceção de Tiradentes, o brasileiro não cultiva admiração por nenhum outro herói nacional. É possível até mesmo questionarmos a própria figura de Tiradentes por ser uma construção muito mais imposta do que culturalmente assimilada entre os brasileiros.
Por isso, não somos o país do futebol, mas é assim que nos vemos e é assim que nos identificamos perante os outros e a nós mesmos. O Brasil pára nos dias de jogos da seleção para lembrar a si mesmo o que o faz diferente dos outros: a criação de mitos sobre sua identidade que permitam dar coesão a um povo culturalmente e etnicamente tão diverso. Por falar nisso, não seria também a crença na mestiçagem um desses mitos?